23 de setembro de 2009 | By: Rita Seda Pinto

Ipê criança

Isso que é impaciência, dona Rita! Deixa o pobre coitado viver a infância serenamente!!!




Ipê criança

Ipê menino,
Ipê criança...
Olhe para seus irmãos:
Todos floridos,
exalando estonteante perfume
e dourando copadas e gramados...

Só você está verdinho, verdinho,
Sem saber que é hora de se despir do verde
E se cobrir de outra cor!

Ainda não deves saber!
A mãe natureza espera o momento certo
Para lhe dizer...

Mas eu sou impaciente, meu ipê criança!
Eu plantei você e acho que já é hora,
Sabe de que?
De lhe contar que você tem uma cor diferente da deles...
Você, meu ipê menino
Tem nas flores a cor branca do véu de Maria.

Vê se acorda, vê se cresce,
Estou ansiosa para ver você,
Ipê menino, recoberto do mais puro branco
E perfumado véu de Maria...
A primavera está aí!


Tapera

Tapera...
Rita Seda

Você passa pela estradinha sinuosa, sem calçamento e quase não olha para mim. Já se acostumou com minha presença ...Com minhas paredes arruinadas, meu telhado arriado, telhas e telhas caídas e quebradas. Minhas pequeninas janelas fechadas, mostrando um restinho de tinta azul...Se observasse veria que pés de fumo e outros vegetais que germinaram espontaneamente tomando conta do espaço que era quarto,cozinha, sala... Eu sou um amontoado de tijolos, telhas e madeiras podres, expostas ao tempo e faz tempo... Se parasse e entrasse, ou apenas olhasse para dentro de mim, veria o velho fogão de lenha, também carcomido pelo tempo, mas seus restos choram por mãos que um dia ali trabalharam fazendo o alimento de uma família. Fervendo o leite para a mamadeira do pequenino, o café e a merenda do esposo, de saída para a roça. Ou a marmita, ainda à luz da lamparina, para que ele comesse no serviço. Já tive uma sala, quartos, onde viveram momentos de felicidade marido, esposa e filhos...Momentos de carinho, de apreensão, de doença, de nascimento, de visitas, e do fim de um amor. Fim sem tragédia, sem briga, sem despedida. Embora dolorido pela traição. Abandonaram-me. Um para um lado, outra para outro lado, com os filhos... Deixaram para mim as camas, as roupas, mesas, cadeiras, prateleiras, pratos e panelas. Até o crucifixo ficou pendurado numa das minhas paredes, ao lado da foto de casamento. Nunca mais ninguém voltou, sequer para fechar a porta, que ficou escancarada e o vento fechou apiedado da minha dor.
Nada levaram. O tempo e os bichos estão destruindo tudo, Até eu... Sou uma casa fantasma que leva o estigma da traição. Um deslize que tudo encerrou, quase sem discussão. E eu? Ninguém me quis, ninguém voltou aqui, que fiz de errado? Eu, com eles, era tão feliz! Preferia que me desmanchassem, plantassem flores neste meu lugar, deixando de existir, cairia no esquecimento total, nem meus tijolos se lembrariam mais que um dia eu existi.

Quimera

Quimera

Eu vi o sol nascer sem ajuda alguma.
Seus raios brilharam e clarearam a terra.
Tudo que havia estava à mostra, escancarado,
E eu pensei: que lindo!

Ouvi do bem te vi o canto animado...
Bandos de maritacas voando apressados
E gritando, matracando, tudo acordando.
E eu achei tudo aquilo lindo!

Despertas pelo alarido, de passarinhos aos bandos,
os ares cortando, como ágeis flechas
gritou a siriema que quebrou três potes
e eu me encantei por tudo aquilo lindo!

Olhei o Ipê e o vi quase desnudo,
se preparando para se cobrir de ouro
e reinar por sobre o campo ora tão seco.
E eu pensei que o amanhã é lindo!

Das coisas lindas que acontecem hoje
em devaneio podes ver o amanhã...
Se isto é sonho, quimera, não entendo,
mas tenho certeza: tudo ficará mais lindo!

Transparência

Transparência
Rita Seda


Sempre tive comigo uma filosofia de vida: ser transparente. Existe um ditado popular que diz:”Prefiro ficar vermelho um minuto do que roxo o resto da minha vida.” É nele que sempre me baseei. Não sabia bem o que é mais difícil, guardar as mágoas num compartimento sem chaves, do coração, ou resolvê-las na hora. Eu optei pela segunda. Se for para mostrar minha decepção eu mostro, se for para pedir esclarecimento eu peço, se for para pedir perdão eu peço.
Considero que é o melhor para mim, para dar-me a paz de consciência, que preciso, para continuar na presença de Deus, não ter que lutar para esconder-me dele, quando tenho mágoa ou vergonha. Ele vê tudo, é certo, mas tenho que ter um diálogo franco para que possa estar em paz quando me lembro que Ele me percebe sempre.
Se for preciso chorar eu choro, se é hora de rir eu rio,
Se precisar falar uma verdade eu falo e se for hora de ouvir uma reprimenda eu procuro ouvir e vestir a carapuça, como mamãe me ensinou. Afinal, por mais que a gente queira ser correta, sempre comete algum deslize.
O que considero burrice das grandes é guardar um sentimento e ficar acalentando o mesmo naquela gavetinha sem chave, acumulando mais dor, até que ali não caiba mais e então, sair distribuindo bordoadas sem sentido, por algo que não ficou esclarecido. Ressuscitar sentimentos não é o meu forte. Vivo cada momento com sinceridade e em intensidade, para que não venha a fazer mal a mim e a outros.
Mesmo assim, o coração é uma caixinha de surpresas e ainda posso, em conseqüência de uma reflexão mais detalhada, numa sessão de análise, ou diante de um fato novo, sofrer uma reação indesejada. Fico imaginando como seria minha velhice se eu deixasse todos os acontecimentos da minha vida sem solução na hora. Eu certamente viraria um bicho!